O Bacalhau em Portugal

Neste artigo irá descobrir a história da pesca do bacalhau em Portugal e como este peixe se tornou um elemento fundamental na cultura e gastronomia do país.

A História e a Importância do Bacalhau em Portugal

O bacalhau está presente na mesa portuguesa, pelo menos desde o século XIV,  quando os portugueses e os ingleses trocavam Sal por Bacalhau.

A pesca de bacalhau, feita por portugueses na “Terra Nova”, iniciou-se no século XVI. Acredita-se que, na tentativa de descobrir o caminho marítimo para a Índia, navegando para oeste, os portugueses descobriram a “Terra Nova” e os seus abundantes bancos de bacalhau.  

Contudo, a pesca do Bacalhau pelos Portugueses na “Terra Nova” durou pouco tempo.  Assediados pelos Corsários Ingleses e Franceses, Portugal é obrigado a retirar-se, retomando a pesca nesta zona apenas no último quartel do século XIX.

Até ao século XIX, este era consumido, de uma forma geral, por toda a população, embora mais a nobreza e o clero. Constituía uma alternativa alimentar quando a Igreja indicava que não se podia comer carne, como acontecia na Quaresma. Além disso, a sua facilidade de conservação possibilitava também que fosse consumido nas terras do interior.

Vai ser durante o regime do Estado Novo, entre 1930 e 1970 que o bacalhau em Portugal atinge o estatuto de “Fiel Amigo”.

O Estado Novo e a Consolidação do Bacalhau como “Fiel Amigo”

O consumo alargado de Bacalhau em Portugal inicia-se a partir de 1920 e transforma-se num desígnio durante o regime do Estado Novo.  Até esta altura, Portugal importava a maior parte do bacalhau que consumia. Nessa altura, a pesca em Portugal, de uma forma generalizada, era desorganizada, com pouco investimento, irregular e altamente tributada.

Numa tentativa de contrariar a dependência externa, Salazar centraliza a organização da pesca de bacalhau no Estado. Através de recrutamentos coercivos junto das chamadas Casas de Pescadores, o regime assegura mão de obra barata e disciplinada. Adicionalmente, providencia financiamentos aos navios e armadores, fixa os preços e condiciona as importações.

É neste contexto que em 1934 é criada a Campanha de Bacalhau, cujo objetivo principal era reduzir a importação do mesmo e garantir o abastecimento alimentar do país.

As Campanhas de Bacalhau e a Frota Bacalhoeira

As Campanhas de Bacalhau tinham início entre abril e maio, e tinham a duração média de seis meses. A frota bacalhoeira era constituída essencialmente por barcos à vela e veleiros semi-motorizados. Partiam de Lisboa (Belém) onde eram abençoados com uma missa solene e uma grande festa. 

Durante a II Guerra Mundial as frotas de pesca mundiais são imobilizadas, excepto a portuguesa. A frota portuguesa de pesca à linha pinta os seus navios de branco, com o nome e a nacionalidade bem destacados, ficando assim conhecida pelo nome de “White Fleet”, a Frota Branca. Os arrastões bacalhoeiros pintaram os cascos dos navios de preto, destacando, também, o nome e bandeira nacional, como afirmação da sua neutralidade.

A Pesca à Linha

Os bacalhoeiros portugueses adotaram a pesca à linha. Essa prática era realizada a bordo dos dóris, pequenos barcos de madeira, tripulados por um homem só. Os dóris eram equipados com uma vela e um par de remos, e orbitavam em torno do navio-mãe. Estes eram atribuídos ao pescador por sorteio, que depois os personalizava a seu gosto.

O dia começava às 04h00 da manhã, com a primeira refeição do dia, o almoço quente, tomando depois uma refeição fria no dóri. Após lançarem os dóris ao mar afastavam-se várias centenas de metros do navio-mãe. Seguidamente lançavam uma linha composta por centenas de anzóis com isco e iam puxando o bacalhau para dentro do dóri. Regressavam por volta das 15h00 ou quando o dóri estava cheio.

Era um trabalho árduo e perigoso. Em alto mar, os pescadores enfrentavam ventos fortes, ondulações intensas e nevoeiro. Além disso, havia o constante perigo de colisão com icebergs.
Sem um salário fixo, que dependia da quantidade de peixe capturada, os pescadores frequentemente ignoravam os limites de segurança. Isso levava ao sobrecarregamento dos doris com excesso de carga, resultando em naufrágios que custavam-lhes a vida.

Mas a jornada de trabalho não acabava aqui. Após a captura era preciso escalar e salgar o bacalhau. Apenas quando o processo todo terminasse os pescadores davam o dia por terminado, sabendo que no dia seguinte tudo se repeteria.

As condições de vida a bordo eram precárias, com poucas condições de higiene e salubridade. A natureza do trabalho era intensiva e quase desumana, com jornadas que podiam estender-se até 20 horas. Os únicos momentos de descanso ocorriam, apenas, quando os navios paravam para reabastecer no porto de abrigo St. Johns. Nestas ocasiões, os pescadores aproveitavam para tomar banho e receber as tão ansiadas cartas e encomendas que a família enviava.

A Revolução de 1974

A pesca à linha era perigosa e obsoleta, e os portugueses eram os únicos que a praticavam nesta altura.  Os restantes países europeus já utilizavam arrastões para pescar bacalhau desde os finais do século XIX, quando foi lançado o primeiro vapor de arrasto britânico. Em Portugal, o primeiro arrastão surge apenas em 1936. Entre 1948 e 1953 regista-se um grande impulso no número de arrastões bacalhoeiros. Contudo, o seu número nunca atinge níveis adequados.

A revolução de 1974 determina o fim da pesca de bacalhau à linha. Quando esta ocorreu, a maioria da frota encontrava-se em campanha. Décadas de repressão e condições precárias de trabalho deram origem a movimentos reivindicativos. Isso culminou no fim da prática desse tipo de pesca, considerada ineficiente e perigosa.

O atraso na modernização da frota bacalhoeira, aliada à sobrepesca e implementação de legislação internacional restringiu o livre acesso ao mar. Isto conduziu ao declínio da indústria pesqueira de bacalhau.

O Declínio da Pesca do Bacalhau em Portugal

Os primeiros sinais de sobrepesca começam a surgir já nos finais da década de 50.

Associado a este factor, a Convenção do Mar Territorial em 1958 permitiu aos países reivindicarem até 12 milhas náuticas como zona marítima exclusiva. Em 1970, o Canadá aplicou essa regra e em 1973 a Dinamarca seguiu o mesmo exemplo na Gronelândia, limitando o acesso português aos tradicionais bancos de pesca. Em 1992, o Canadá proíbe a pesca de fundo nos seus bancos.

Portugal aderiu à Comunidade Europeia em 1986. Com isso, também aderiu à Política Comum das Pescas, e foi obrigado a aceitar suas restrições.  Entre 1990 e 1998 Portugal perde mais de 30 navios, ficando a sua frota reduzida em mais de 70%.

No entanto, os portugueses não deixaram de consumir bacalhau, permanecendo como os maiores consumidores deste em todo o mundo. Este continua a fazer parte da culinária portuguesa, compondo vários pratos típicos da gastronomia portuguesa.

Atualmente, a frota portuguesa satisfaz apenas 2% do consumo de bacalhau nacional. O restante é importado da Noruega, Islândia e Canadá.  Portugal nunca foi auto-suficiente. Mesmo no auge da pesca de bacalhau, nas décadas de 50 e 60 do século XX, Portugal importava bacalhau.

Património e Memória dos Pescadores da Faina Maior

A vida dos pescadores da faina maior era uma epopeia diária, escrita com suor, sal e bravura, que merece ser recordada.

O Navio-Museu Santo André oferece uma experiência única para quem quer conhecer mais sobre os pescadores da faina maior. Está localizado a 7 km da cidade de Aveiro, próximo ao Jardim Oudinot na Gafanha da Nazaré. Este navio-museu é um testemunho importante desse período, e do estilo de vida dos corajosos pescadores. Ao explorar os compartimentos do antigo bacalhoeiro, da proa à popa, é possível entender melhor como a pesca era realizada naquela época.

No Museu Marítimo de Ílhavo é possível encontrar uma vasta coleção de objetos relacionados com a pesca, a navegação e a construção naval, além de um aquário de bacalhaus, o ex-líbris do museu.

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